Nesta quinta, dia 12 de março, acontece uma Roda de Conversa com o tema “O trabalho da mulher na agricultura capixaba: avanços e desafios”, a partir das 14 horas, no auditório da sede do Incaper, em Vitória. O evento conta com o apoio da Assin, por meio da diretoria do Núcleo Metropolitano, e terá a mediação da vice-governadora Jaqueline Moraes; e a participação de Alessandra Maria da Silva, extensionista do Incaper, e de Patrícia Ferraz do Nascimento, coordenadora de projetos da SEAG.
Para contribuir com o debate, a Assin entrevistou a gerente de Assistência Técnica e Extensão Rural (GATER), Celia Jaqueline Sanz Rodriguez, socióloga, mestre em Políticas Sociais e Doutora em Desenvolvimento Rural. Ela também é associada da Assin e, o mais importante, mãe da Manu.
Essa gerência, como Sanz mesma conta, foi criada com o novo organograma do Incaper, sendo a primeira pessoa a ocupar o cargo. Na entrevista, que segue logo abaixo, falamos sobre feminismo, sobre machismo no Incaper e sobre a importância da presença de mulheres em funções de liderança. Boa leitura!
Assin – Qual a importância de mulheres ocuparem cargos de chefia?
Jaqueline Sanz – Ao invés de fazer uma reflexão sobre ocupar cargos ou ocupar posições, seja em empresas privadas seja em instituições públicas, a reflexão mais importante é o papel que as mulheres desempenham enquanto lideranças políticas e sociais. Para mim é muito mais importante o papel das mulheres enquanto lideranças que lutam pela diminuição das desigualdades sociais e de Gênero, a liderança de mulheres que lutam em movimentos sociais; sejam em movimento de bairro, sejam mulheres rurais; sejam mulheres na política, sejam nas religiões. Mais importante na luta contra essa sociedade que cria desigualdades estruturais entre homens e mulheres é o papel da liderança. Ou seja: na luta contra desigualdades, na minha opinião, é mais importante refletir sobre o papel de liderança das mulheres do que a ocupação de cargo, apesar de que esse acesso a cargos também seja um meio e um fim da luta pela diminuição das desigualdades.
Continuando dentro dessa reflexão de lideranças feministas, de mulheres que procuram, com suas ações, abrir caminhos para as mulheres estarem onde elas quiserem estar, é isso que me leva a reforçar esse pensamento. Hoje, infelizmente, a posição de mulheres ocupando cargos de chefia e de coordenação acaba, em alguns casos, sendo usada para qualificar as empresas; ou seja, vemos uma apropriação das lutas das mulheres sendo incorporadas pela empresas e instituições para serem, de certa forma, beneficiadas nos seus índices de responsabilidade social. E isso me preocupa, porque acaba sendo um discurso apropriado, por algumas empresas – inclusive por alguns homens – que não levam a sério a importância dessa questão.
As reflexões devem levar em conta, também, o processo de historicidade da luta para que, hoje, mulheres possam estar ocupando cargos gerenciais. Por isso, também, eu quero reforçar que se, hoje, estou num cargo, que dentro do Incaper (institucionalmente) era ocupado por homens, isso tem que ser visto como uma conquista histórica de muitas mulheres que estão no Incaper, na agricultura ou em qualquer posto de trabalho, e que permitem esses acessos e essas possibilidades.
A – Ainda há grandes diferenças entre homens e mulheres, em funções de trabalho. Como vê isso no Incaper?
J. S. – Cotidianamente, no trabalho e fora do trabalho, nas relações sociais e na família – em diferentes âmbitos da vida – ser mulher é ser tocada por diferentes comportamentos machistas, por diferentes atitudes sexistas e, muitas vezes, sermos vítimas da misogonia. Hoje, infelizmente, ser mulher é viver isso tudo.
Exemplos do dia a dia podem ajudar a entender o que estou dizendo. Atualmente, no Incaper e em outros círculos sociais, a gente ainda ouve piadas, que para muitos podem parecer piadas inofensivas, mas que são construções sociais que acabam de fato reafirmando representações e pensamentos que se têm acerca da mulher, que acabam reforçando essas relações de gênero e esses comportamentos machistas.
Existe, a todo o momento, às vezes de forma muito velada, uma forma de subestimar a capacidade de produção da mulher. É como se a gente tivesse sempre que provar que somos capazes, que a forma como fazemos está correta. Eu, por exemplo, assumo uma forma de agir e de pensar que caracterize e reforce a minha identidade. Não quero que a minha ação seja como a de um homem. Eu reforço isso e, muitas vezes, sou subestimada por isso. Nesse dia a dia, é como se no trabalho houvesse uma marca de tarefas que nós, mulheres, precisamos fazer, e aí eu me nego. Por exemplo, chego numa reunião e pergunta-se quem será o relator da reunião: Quem vai fazer a ata? Logo digo que “eu não serei a relatora”. Porque é como se houvesse uma ideia de que essa tarefa é de mulher. Não estou dizendo que fazer uma ata é menos importante, mas defendo que qualquer um é capaz de fazer um relatório ou uma ata; e sendo função de qualquer um, não me olhe achando que serei a primeira pessoa a fazer isso pelo fato de ser mulher.
Outro comportamento machista, por exemplo, que existe no Incaper e em qualquer âmbito de trabalho, é o “maninterrupted”, quando homens interrompem falas de mulheres. E essa interrupção acontece diariamente. Muitos nem percebem isso, mas eu vejo, também por ser vítima constante dessa interrupção, de cortes em nossa fala, muito por uma crença inconsciente da superioridade de lugar da fala do homem, hipoteticamente por acreditar que o que ele tem a falar é mais importante do que eu ou qualquer mulher tem a dizer.
Ainda nos deparamos, no dia a dia, com o “gaslighting”, numa tentativa de colocar a mulher em uma condição específica, acreditando que em algum momento ela terá um comportamento com excesso de sentimentalismo ou de emoção, colando a mulher numa condição em que ela está inventando, exagerando nas suas reações. Essa visão está muito enraizada no comportamento de muitas pessoas, e que vemos constantemente, ainda mais quando queremos defender uma ideia ou quando nos posicionamos.
De uma forma geral, percebo que tivemos muitos avanços, tanto por colegas homens quanto por colegas mulheres, por fazerem uma reflexão sobre o quanto as desigualdades atingem e reforçam as diferenças sociais entre homens e mulheres, o quanto essas atitudes machistas reforçam a manutenção do patriarcado.
Mas também vejo, e que muitas vezes me incomoda – e fui vítima disso – o fato de ser fácil para alguns homens, muitos deles machistas e misóginos, falar que “aceitam” mulheres ocupando cargos de chefia. Essa fala é permeada de representações machistas. A própria noção do “aceitar” ou “não ver problemas” comprova isso. Mas o que é mais assustador é perceber que vem implícita a essa fala um certo constrangimento quando “essa mulher é minha ‘chefa’, coordenadora ou gerente”. É como se, a toda hora, por ser mulher, precisássemos lutar contra esses comportamentos e atitudes machistas, e que aparece a qualquer momento, muitas vezes de pessoas que você não espera. Lidar com esses pensamentos e comportamentos machistas é uma constante na vida de mulheres que ocupam posições de coordenação.
A – Quem te representa, hoje, enquanto mulher, servidora pública?
J. S – Eu não tenho uma mulher ícone. Eu acredito muito nos processos históricos, então não posso ter um ícone. Porque todas nós, mulheres, somos construções sociais; e todas nós, mulheres, temos heranças de mulheres fortes, líderes, que estão a todo o momento nessa luta cotidiana para que possamos galgar a diminuição dessas desigualdades, a diminuição dos comportamentos machistas, para que a gente possa reforçar a luta do feminismo que visa a igualdade de gênero, onde todos possam ser beneficiados. A luta do feminismo é a luta pela igualdade de Gênero – e é esse feminismo que eu acredito, que luta pela igualdade. Portanto, ele não beneficia apenas mulheres e não é momentâneo.