Diretoria Executiva da Assin
A Extensão Rural, entendida como política pública, vive dois cenários: um otimista, pela qualidade do corpo de profissionais que tem em cada Estado; e outro desafiador, no esforço de alcançar o fortalecimento e a sustentabilidade desta política pública quando os obstáculos são eliminados, diante do grau de negligência e negação do governo federal ao reconhecimento da Extensão Rural enquanto política pública de Estado para atender, em especial, a agricultura familiar do Brasil.
Preso ao víeis ideológico da diminuição do Estado, o “governo” nega e não reconhece à importância política, técnica, educativa, cientifica e metodológica que a Extensão Rural representa, no propósito de identificar e propor planejamento estratégico que contemple o envolvimento das famílias dos(as) agricultores(as) familiares enquanto protagonistas na construção desta política pública, permitindo a todos e todas que participam indicar caminhos entre as diferentes formas de interpretar e entender a lógica e a realidade da Agricultura Familiar.
A proposta apresentada de ATER Digital pela Ministra Tereza Cristina, no dia 18 de agosto de 2020, anuncia uma “parceria com o IICA[1], para oferta de serviços de consultoria agrícola digital a agricultores familiares do Nordeste do Brasil”, programa este desenvolvido pela organização PAD – Agricultura de Precisão para o Desenvolvimento. A proposta é mais um dos absurdos deste governo. Esse “filme” já vimos, na década de 70, quando havia uma proposta semelhante em que o governo da época discutia a extensão rural a partir de vídeomonitoramento – portanto, não é tão novidade essa prática. Mas, naquele momento, a discussão mostrou que este pensamento estava longe da realidade para o rural brasileiro.
A matéria que retrata a intenção da ministra alia-se a uma proposta que diz estar sendo experimentada na África, o laboratório da atual “revolução verde do século XXI”, como foram na Índia, nos países asiáticos e nas Filipinas, colocando de goela abaixo um amontoado de ditas “experiências inovadoras”. A reportagem aponta para um crescimento real de 22% no uso de “insumos”. Este é o real valor e motivo de se investir nesta proposta. Nós já tivemos a nossa na “década de riqueza com a revolução verde”, e sabemos do seu resultado em termos de saúde pública e de desagregação social, econômica e familiar na roça.
A proposta dessa tal ATER Digital se refere ao seu uso para uma agricultura de precisão, que está pautada no agronegócio exportador e na agricultura familiar que trabalha a integração de cadeias produtivas de suínos, aves e gado leiteiro, com a adoção de “inovações tecnológicas” pelo uso de tratores automatizados, drones e outros. Parece que “esse povo” pensa e associa inovação ao uso de “tecnologias de última geração”; e não compreendem, nem querem compreender, as inovações geradas pelos(as) agricultores(as) familiares, e o quanto de conhecimento pode gerar também aos extensionistas.
Esta proposta está longe de vestir a “roupa inteira” da agricultura familiar, no Brasil, para qual a extensão rural deve servir a partir da interpessoalidade, da relação pedagógica e de uma prática junto com agricultores(as) e sua família. É indo na unidade de produção familiar, na comunidade, que se descobre junto com as famílias os problemas e as soluções necessárias para sua resolução.
As observações aqui feitas não são contrárias ao uso de Tecnologia de Informação para a melhoraria da vida das pessoas, mas vai à defesa de que deve ser usado de forma complementar, em todos os momentos e não somente para o atual da pandemia. Pois esta forma de comunicação certamente não atinge a todos e todas, pois pensar em uma proposta de ATER Digital exige, do governo, um olhar mais atento e criterioso sobre a realidade digital no país, em especial no interior.
A Agência Senado mostra a seguinte realidade digital. O Brasil tem 14,9 milhões de lares sem acesso à internet. São quase 46 milhões de pessoas desconectadas. Desse contingente de excluídos digitais, 7,5% não têm sinal disponível, 25,4% não podem pagar pelo serviço e 24,3% não sabem usar a rede mundial de computadores. Os dados são da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-Contínua), divulgada em abril deste ano, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com IBGE, apenas 49,2% dos domicílios rurais está “logada”. Outra forte exclusão pode ser observada quando os dados nos mostram que nas classes A e B mais de 90% da população com mais de 10 anos de idade acessa a rede mundial de computadores. Nas classes D e E, a proporção é de 57%. Enquanto as classes A (87%) e B (73%) conectam-se à internet simultaneamente por computadores e celulares, apenas 38% da classe C e 14% da D e da E utilizam ambos os dispositivos.
Enfim, o IBGE, por meio do Censo Agropecuário, aponta para um cenário de forte exclusão, na medida em que, dos mais de cinco milhões de estabelecimento rurais no Brasil, apenas 28,2% têm acesso à internet. Logo. uma enorme parcela ficaria fora desta proposta, o que retrata o seu absurdo e sua incoerência política com a realidade da agricultura, no Brasil.
A proposta de ATER Digital aprofunda o abismo de exclusão tecnológica no país. Os dados mostram que esta proposta atinge, sim, a uma parcela, mais precisamente a uma pequena parcela da sociedade. Basta ver quantos(as) agricultores(as) familiares acompanham as “lives”. Essa proposta serve para dizer que o Estado, a empresa de ATER, não está parada, está ativa com suas ações. E só isso! Esse meio proposto não tem nada de prático, traz apenas conceitos trocados via internet, mas não retratam nunca a riqueza de como a Extensão Rural pode ser uma ferramenta de transformação e de micro revoluções no rural do Brasil, junto com os(as) agricultores(as) familiares.
Este, talvez, seja o grande problema na visão do governo e na sua busca por impedir que essas transformações / revoluções aconteçam.
[1] IICA – Instituto Interamericano de Cooperação
Parabéns a toda diretoria pela matéria pela forma de ação que busca aproximar todos e todas colegas da Entensao Rural da Pesquisa do setor Administrativo dos Trabalhadores (as) de campo. Assim construímos e fortalecemos nossa ASSIN….
Parabéns pela matéria , o conteúdo mostra com clareza a realidade da Agricultura Familiar e nos dá ainda mais certeza da necessidade da implementação e fortalecimento de Políticas Públicas para Agricultura Familiar , Extensão Rural e Pesquisa de acordo com essa realidade .
Conclamamos todas as Organizações de ATER e Pesquisa e Organizações dos Agricultores Familiares para luta e defesa de uma ATER e Pesquisa forte e de qualidade .
Interessante que os servidores da pesquisa e da extensão agora sentindo-se ameaçados estão finalmente vindo a público e na defensiva lutar contra mudanças previsíveis na extensão rural. Faz trinta anos que os especialistas anunciaram que o modelo de extensão representado pelas Emater estava se esgotando. Sinto muito mas agora ficou tarde para se contrapor a mudanças que são ameaçadoras porque antes não se queria avançar na discussão das mudanças de ater e o esgotamento do modelo. Estão lutando para postergar a morte de um modelo que não devia mais existir.