Diretoria Executiva da Assin
A Extensão Rural precisa urgentemente ser retirada do rótulo casado com a assistência técnica, uma vez que são propostas não divergentes, mas que precisam ter uma clareza de suas singularidades pelo poder público, que deve orientar e qualificar as ações dessas políticas públicas, cuidando de suas particularidades e de suas complementaridades, de acordo com as realidades de cada local e território.
E aqui reside o grande equívoco do governo federal, pois o mesmo, com um ato autoritário e sem respeito, retirou do Conselho Nacional da Agricultura Familiar (CONDRAF) sua autonomia, no entendimento de que bastava a visão de governante para fazer acontecer. Um ato de absoluto desconhecimento e desrespeito da realidade e da prática da Extensão Rural, da sua distinção e singularidade social, da sua razão e importância para a produção de alimentos pela agricultura familiar, para abastecimento interno, da sua rede de saberes e conhecimentos e de sua relação com uma matriz de produção e de mercado mais justa, mais natural e humana.
A ministra Tereza Cristina, ao lançar a proposta para “ATER Digital”, de nada assusta aqueles (as) que vivem e tem a Extensão Rural em seu norte de ação, uma vez que essa ministra, em seu posicionamento político para o cargo, já mostrava uma fala carregada de um forte desconhecimento sobre ATER e sobre a Agricultura Familiar, quando diz que existe “demandas para agricultura”, simplificando e desreconhecendo essas políticas públicas. Pois, o que existe (existia), é um Programa pensado e construído a partir do protagonismo dos agricultores (as) familiares, e que este “governo” vem negando sistematicamente. A fala demonstra toda intenção do atual “governo” em buscar simplificar a importância da ATER para Agricultura Familiar e para cidade.
Novamente a política pública para ATER passa a se nutrir de “forças poderosas”, que não buscam suas energias no entendimento das transformações sociais da cultura do saber e do conhecimento da sociedade, mas, sim, no mercado, fazendo com que esta nova identidade nunca se dê ao luxo de manifestar apego ou predileção pelas suas raízes. Vivemos os fortes e frios cálculos econômicos que rompem todas as tradições e culturas, ditas do passado, dando visão e vez a uma nova estrutura comportamental, a do capital acima do ser humano.
A proposta de ATER Digital, apresentada pela ministra Tereza Cristina, está longe, muito longe, de respeitar o valor e a importância da Extensão Rural. A visão que se tem desta proposta é a mesma agenda que trata da retomada do processo difusionista, com foco no jogo de palavras modernização-produtividade, onde inovar é usar tecnologia e insumos externos – ideia que está completamente desconectada – e nega a PNATER e a realidade do rural brasileiro e da agricultura familiar.
Podemos admitir e não podemos nos furtar a trabalhar no uso desta tecnologia quando do processo da assistência técnica demandado pelo agricultor (a) familiar, pois os agricultores estão usando cada vez mais novas tecnologias, como o PicPay, para melhorar seus processos de comercialização. É fácil prescrever uma receita de adubação tendo os resultados de análise de solo encaminhados pelo(a) agricultor(a) por WhatsApp ou E-mail e, depois, a ele(a) remetidos(as) da mesma forma. Isso é assistência técnica.
Desenvolver um trabalho para organização da agricultura familiar na discussão e entendimento de sua realidade e de seus problemas, na gestão da unidade de produção, nos arranjos e desenhos produtivos e sua relação com o ecossistema local, nos processos de mercado e comercialização, exige a presença do profissional da Extensão Rural junto à família de agricultores(as) e de suas organizações de representação. Não tem receita pronta. O sentido de resolução é no local, na discussão e na interação de conhecimentos e saberes.
A proposta de ATER Digital apresentada é elitista e está montada e pensada para atender aqueles (as) que estão inseridos nos processos de comunicação digital, que é individualista.
Talvez, sim, esta proposta pode até funcionar. E para isso as instituições públicas de ATER precisam fornecer um telefone celular de “última geração” para cada extensionista, precisam melhorar em muito sua base de tecnologia da informação, precisam proporcionar melhores condições de acesso a rede de internet nos mais diversos locais do interior, precisam qualificar e capacitar os seus profissionais para atender esta demanda digital e ter um quadro qualificado de profissionais para ações de Extensão Rural junto à agricultura familiar e aos excluídos deste processo “modernizador”.
Estamos vivendo novamente a cultura de uma política pública de destruir e criar, mesmo que esta criação seja uma aberração social e econômica, de caráter mais uma vez excluidor e insustentável, quando pensamos em uma política pública para coletividade.