(Texto escrito por Adolfo Brás Sunderhus*)
A agricultura é um imenso ambiente de aprendizado e convívio social, a céu aberto. Um lugar que nos inspira a todo momento. E o lugar onde se produz o alimento que é servido pelo menos três vezes ao dia na mesa das famílias da roça e da cidade. Produzir e transformar toda essa comida saudável faz parte do dia a dia das mulheres da roça.
Neste mundo da roça, dito “rural moderno”, mas conservador em seus valores masculinos, vive uma personagem que, a partir das suas ações e do seu jeito de ser e de ver a roça e o roçado, assume uma postura de elevada determinação e segurança, ora com palavras de carinho e conforto, ora com sua presença forte e determinante na tomada de decisões na família e da gestão da roça e do roçado.
A mulher da roça e suas filhas estão longe de serem sombra do homem, no dia a dia. Ela é uma presença que tem brilho e luz própria, e traz consigo valores como coragem, determinação, perseverança, paciência, crença e fé. Esse conjunto de valores lhe permite desenvolver tarefas, as mais diversificadas e nobres que, de longe, jamais serão alcançadas por seu gênero oposto e parceiro.
Assume, do iniciar do dia ao entardecer para noite, o papel de fortalecimento da família, inserindo-se como uma protagonista determinante nos processos de modernização da unidade de produção. Dona da sua história, tem uma forte clareza sobre os problemas que devem ser resolvidos com prioridade, seja na família seja na comunidade. Este seu olhar mais atento lhe confere uma singular responsabilidade para o desenvolvimento de projetos de natureza social, produtiva, coletiva e humanitária.
Ela guarda por gerações a preservação das sementes – reconhecidamente “sementes crioulas” – o conhecimento e a técnica do processamento da transformação e da conservação dos alimentos, que ocorre essencialmente na cozinha das agricultoras e, pela busca do conhecimento na formação e na qualificação, transforma e dá a cada um desses produtos da roça uma nova roupa, expressa carinhosa e tecnicamente por agroindústria familiar, e que se constitui num novo espaço social, produtivo e econômico, sendo transformador de sua realidade.
Historicamente é a responsável direta pela manutenção e pelo aumento da diversidade dos arranjos – desenhos produtivos da roça, da qualidade e da durabilidade dos alimentos – quer seja para a família, quer seja para comercialização direta ao consumidor na cidade, gerando novas oportunidades de mercado, comercialização e renda, inserindo definitivamente a mulher rural na economia e na sustentabilidade da roça e do roçado, e para sua comunidade e município.
Portanto, a mulher da roça está longe, muito longe de ser sujeito subordinado e socialmente diferenciado do homem. A luta buscando a quebra desse paradigma se estabelece, historicamente, a partir do século XVII, ganhando corpo e força em anos mais recentes, tendo como ideia central a liberdade, a igualdade e a solidariedade.
É a protagonista de sua história, de sua cidadania, uma característica importante que não pode ser perdida, pois se dá a partir de sua própria realidade e de suas experiências, se organizando e discutindo, formulando e avaliando as formas de buscar caminhos, conquistando o seu espaço pelo seu protagonismo, sobretudo em poder escolher como quer seguir a sua vida e conquistar novas oportunidades. Um movimento que lhe permite continuar avançando sem retrocessos em suas conquistas, cuja organização e protagonismo, nos diversos movimentos e organizações na roça, provocam microrrevoluções e transformações sociais, produtivas, econômicas, ambientais e políticas, no entendimento de suas necessidades e de suas lutas.
Por isso são donas de suas histórias e de suas realidades. Eu sou apaixonado, não temente à mulher, mas simplesmente fascinado pelo seu saber, encantado por sua beleza e agradecido por seu imenso brilho, que não rouba o meu, mas me ensina que somos complementos indivisíveis, um do outro!
* Adolfo é engenheiro agrônomo, extensionista rural aposentado do Incaper, operário da terra.