Adolfo Brás Sunderhus Engº agrônomo. Operário da terra. Aprendendo com as práticas e experiências dos (as) agricultores (as) familiares.
Nosso processo civilizatório experimentou diversos ambientes e cenários sociais, econômicos, ambientais e políticos dede o marco em que saímos do convívio em tribos e ousamos construir sociedades mais complexas e heterogêneas.
Sempre que, olhando para o futuro, vislumbramos cenários que se apresentam ora otimista e outro, que não pessimista, mas essencialmente desafiador. E não está sendo diferente neste momento da COVID-19. No entanto, um fato se faz presente no esforço de alcançarmos o bem estar. Fomos todos e todas chamados, mesmo não sendo esta a nossa vontade, a exercitar um mergulho profundo no que denominamos de isolamento social, que certamente caminha no sentido contrário a nossa satisfação pessoal, profissional e econômica. Mas também é fato o que a ciência nos mostra, que para atingirmos neste momento os altos índices de bem estar que todos e todas queremos precisamos juntos eliminar o obstáculo que se faz presente.
A agricultura familiar, a política pública e os (as) servidores (as) de ATER e Pesquisa também sofrem e vivem sob este momento. Vivemos uma forte calamidade social e de saúde, imediatamente após um ato equivocado e de negação de todo histórico de construção de políticas públicas e dos direitos destes trabalhadores (as), sinalizando de forma definitiva a possibilidade do aniquilamento da Agricultura Familiar da ATER e da Pesquisa, enquanto política pública de Estado.
Estes dois atuais cenários, um de forma global e outro local, se potencializam em medida que o entendimento do Governo Federal firma um pensar, não verdadeiro, de que esses dois fatos, na verdade, são menores que a natureza voraz da economia garimpeira e destruidora dos direitos dos trabalhadores (as), formando uma convergência que irá fortalecer somente a um lado que está na centralidade do capital, em detrimento do bem estar social de todos e todas; definido, este, pela atual Constituição Federal.
Fica no meu entendimento que essa negação alcançou sua maior natureza predatória quando todas as ações e atos públicos e pessoais do “chefe do Estado brasileiro”, que busca simplificar e obscurecer a real complexidade que todos e todas vivemos e estamos submetidos, menosprezando a importância da ciência e dos processos de isolamento social necessários para vencermos a COVID-19 e podermos, no menor curto de tempo, construir novos processos para retomada das políticas públicas para ATER e Pesquisa e para o fortalecimento da agricultura familiar agroecologica e orgânica.
Precisamos que o poder executivo e legislativo, em especial o federal, de forma urgente e estruturada, realize o máximo de esforço para resgatar a construção histórica desta política pública, saindo da confortável posição política a partir de falas como “melhor coisa que pode ser feita é deixar como está”. Pensar e agir desta forma – e adotar uma visão simplista e reducionista diante da complexidade social econômica ambiental e de saúde pública que vivemos neste primeiro semestre de 2020, demonstrando, no mínimo, ou falta de conhecimento ou falta de vontade para enxergar esta realidade – causa estranheza, pois não é ingenuidade. Certamente também não é falta de conhecimento. O que será então? Esta certamente é uma reflexão que temos tempo de fazer, diante do quadro de imersão em nosso individual/coletivo momento de isolamento social.
Espero que durante este processo, e ao seu final, esta reflexão permita ser convergente ou semelhante ao pensar da nova sociedade que virá, construindo os caminhos necessários para vencermos individualismos com ruptura de modelos econômicos que têm, como base, somente o lucro, para vivenciarmos a construção coletiva de propostas que buscam descortinar as diferenças sociais e a responsabilidade da produção de alimentos, bens e serviços para o abastecimento interno de nossa sociedade, cuja representatividade está centrada na agricultura familiar, na economia solidária, no (a) trabalhador (a) informal, nas micro e pequenas empresas; e não naquela que privilegia o agronegócio exportador e as grandes corporações econômicas.
Precisamos vencer a rasteira de interesses pessoais e políticos que buscam fortalecer o paradigma ditado pelo poder econômico em favorecimento ao capital, e não das pessoas e do bem estar coletivo.
Estamos vivendo diante de uma proposta política de governo e de um governante, que não é de Estado e que subverte toda ordem democraticamente prevista na Constituição Federal, e quando esta deixa de existir, passamos a coexistir em um local de jogos, onde ganha mais quem tem poder econômico e político de “dar as cartas e controlar as fichas”. Muitos jogam, mas poucos ganham. O “dono da casa e os e os seus” nunca são perdedores. Perdem o (a) cidadão (ã), agricultor (a) familiar, trabalhadores (as) informais, micro e pequenos empresários, que ficam desamparados na construção e no cumprimento das políticas públicas.
Vivemos um governo que busca consolidar um viés de comando a partir de um comando pré-estabelecido e individualmente pensado, negando e esquecendo princípios e valores de políticas públicas como a participação de todos e todas na sua construção e no seu controle. Este exercício e esta prática evidenciam que tudo deve ser construído a partir “da luz de uma legalidade concebida por ele”, numa falsa afirmativa de que o serviço público e os servidores públicos são “inoperantes, preguiçosos e, portanto, sem valor e necessidade”.
Voltamos a viver no Governo Federal e nos gestores públicos, com a falta de capacidade administrativa e gerencial para saber conviver com as divergências e com o contraditório. Faltam a eles (as) a prática e a vivência do saber sentar e ouvir, para chegar a um caminho comum. E as perguntas ficam: Como estão os Estados neste tabuleiro de xadrez? Qual “casa” eles representam e estão assentados? Qual será a próxima jogada?
Mais do que nunca somos chamados a fortalecer nossa organização, pois nossa reação está sendo colocada a prova. Pensar e agir com inteligência é o que nos resta, para que não sejamos sucumbidos. Mas, se assim insistirem, e se nos for negado o direito do contraditório, a perda será danosa para a governança, e os seus gestores pagarão com a perda de sua dignidade política. Ou seja, perderam o respeito e o seu futuro.
E mesmo que antevendo uma derradeira derrota, esta não encontrará campo fértil em nosso pensar. Não fraquejaremos em nossas ações nem seremos tomados e tombados, pois nosso pensar, nossa coragem e nossa determinação estão ainda mais vivos e prontos para lutar.