Todo dia 16 de março é celebrado o Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas. Para falar mais sobre o assunto, e apontar indícios de mudanças climáticas em nosso Estado, por exemplo, a Assin conversou com o coordenador do Sistema de Informações Meteorológicas do Incaper, Hugo Ely dos Anjos Ramos, bacharel em meteorologia e Agente de Pesquisa e Inovação em Desenvolvimento Rural.
Confira!
Assin – O que seria mudança climática?
Hugo Ramos – Antes, é preciso lembrar sobre o conceito de clima. Nosso mundo tem vários regimes climáticos, podendo ser classificados pela quantidade de chuva que ocorre no ano ou pela média da temperatura, por exemplo. Como vivemos numa região tropical, nosso padrão de temperatura é mais quente, em especial quando comparado para regiões, localidades ou países mais próximos dos pólos norte ou sul, que têm um clima mais amenoe seco. Podemos reconhecer essa variabilidade do clima analisando as épocas que mais ou menos chovem, ou quando faz mais calor ou frio, por exemplo. Dessa forma, mudança climática, pode-se dizer, é todo processo que acaba provocandoalterações significativas no seu comportamento regular. Por exemplo: na época em que deveria chover pouco, chove-se bastante, ou vice-versa. Resumindo: é uma alteração do padrão natural do clima que ocorre numa determinada região em uma determinada época do ano.
A – Essas mudanças podem interferir no clima do país e de nosso Estado?
H. R. – Em relação às mudanças climáticas, no aspecto global, considerando o planeta e os ecossistemas que fazem parte dele e que sofrem um processo constante de alteração, automaticamente essas interferências acabam provocando mudanças nos regimes de chuva e de temperatura de grandes áreas, assim como no padrão dos ventos, até na umidade, em determinadas regiões do mundo, consequentemente havendo uma alteração de como essas áreas passam a se comportar. Quem também pode influenciar o clima global, são as alterações dos ciclos de alguns elementos químicos presentes no nosso planeta, tais como o da água, do carbono e de outros. Agora, reduzindo essa escala e analisando os casos de forma mais local, as mudanças climáticas podem ser percebidas diretamente no regime de chuva, com aumento ou redução de chuvas, e com a alteração dos padrões de temperaturas, também pela sensação de calor acima ou abaixo do que seria normal. São os casos de ilhas de calor, de chuvas intensas ou de secas prolongadas que acabam influenciando o padrão de vida da população.
A – De que forma as mudanças climáticas podem ser conectadas com as chuvas que atingiram o ES neste ano?
H. R. – Em relação a essas chuvas que ocorreram no começo do ano, o que acabou surpreendendo a todos foi o quantitativo de chuva, um volume de água que atingiu diretamente a população do Sul do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de São Paulo. Nesse mesmo período, estamos passando por um período de seca prolongada no Sul do país e de chuvas excessivas na região Amazônica. Ou seja, essa mudança, em especial, tem uma característica impressionante que é o volume de chuva acumulada num curto período de tempo, em contrapeso ao longo período de seca no extremo Sul do Brasil. Não podemos esquecer que há cinco anos, após a chuva catastrófica de 2013, tivemos um longo período de estiagem. O que podemos observar, com essas inconstâncias e alterações, é que o ocorrido no início deste ano não é apenas mais um evento climático isolado. Ele faz parte de uma sucessão de eventos climáticos que acabam provocando épocas com secas prolongadas e períodos de chuvas intensas, e que ilustram bem o que são essas mudanças climáticas.
A – As mudanças climáticas são irreversíveis? Ou não?
H. R. – Se a gente for observar que a espécie humana é um ser capaz de alterar significativamente o meio em que vive, essa questão da reversibilidade ou irreversibilidade do clima é relativa, se considerarmos a capacidade de adaptação frente à essas mudanças. Hoje, no mundo em que vivemos, a população cresceu, o que exigiu um aumento na produção de alimentos, alterações nos espaços urbanos, como exemplos de mudanças que também fazem parte do cenário das mudanças climáticas. É difícil acreditar que seja possível regredir o nosso padrão climático, de hoje, para 150 a 200 anos atrás, quando se começou a medição meteorológica que se conhece atualmente; ou de 10 a 20 mil anos atrás, quando a variabilidade do clima ocorria de uma forma mais “natural”, ou seja, com baixa intervenção humana. Com todas as mudanças presentes nas nossas vidas, não dá para avaliar que as características de clima para um futuro sejam semelhantes para com o passado, mas precisamos reconhecer que daqui para frente nosso clima ainda vai mudar e que serão necessárias estratégias de enfrentamento efetivas para minimizar os impactos causados pela variação do clima.
A – Como podemos amenizar essas alterações do clima?
H. R. – Hoje, pode-se dizer que as questões de mitigação dos impactos das mudanças climáticas vêm causando grandes preocupações aos cientistas. Desde as décadas de 60 e 70, quando tivemos grandes transformações em nosso ambiente, o mundo estabeleceu um mecanismo de acompanhamento dessas mudanças com a criação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, criado pelas Nações Unidas em 1988. Desde esse começo, vários relatórios foram gerados, o que permitiu que os grupos de trabalho pudessem desenvolver estratégias para poder conter as mudanças. As pesquisas desenvolvidas por esses estudiosos, por sinal, apontam uma tendência de aquecimento da temperatura média da terra. São uma série de estudos sérios que alertam o risco do planeta. Acredito que toda a população mundial precisa estar engajada para minimizar esses impactos. Há tecnologia suficiente para conseguir reverter as consequências das mudanças climáticas, mas é preciso saber como aplicá-las e maximizá-las, a exemplo do uso de fontes alternativas de energia, do reflorestamento e, até, da produção de alimento orgânico. Precisamos ampliar a popularização dessas tecnologias, desses conhecimentos, para que alcance ao máximo de pessoas. O alimento orgânico, por exemplo, chega até o consumidor final com um preço muito caro; mas se a gente não popularizar esse modo de produção será difícil convencer mais pessoas a evitar o consumo de agrotóxico. Enquanto não for oferecido um transporte coletivo com mais acessibilidade, conforto e qualidade, as pessoas não vão deixar seus veículos em casa. Se os geradores de energia eólica ou solar ainda forem oferecidos num preço inacessível, ainda será comum o uso de energias não alternativas. Há como melhorar as condições do nosso planeta, mas é preciso ampliar o acesso a esses modelos para que seja possível frear o avanço das mudanças climáticas.
De que forma podemos prevenir essas interferências?
H. R. – Quando se fala em alterações climáticas, existem as globais e as locais. As globais são um conjunto de alterações que têm provocado situações impactantes no mundo, como o derretimento das geleiras, as mudanças nos padrões de vento, o processo de desertificação de áreas florestadas… Essas mudanças, em padrões globais, ficam difíceis de serem contornadas. Mas se pudermos agir de forma local, existem estratégicas possíveis de contornar essas alterações do clima. Como já disse, é justamente o uso das fontes energéticas mais sustentáveis, assim como o uso sustentável de água, energia e de outros insumos(principalmente na agricultura e na indústria), e até a adoção da política de mercado de carbono para áreas de maior concentração urbana. Ou, em pequenas práticas, no dia a dia do cidadão, optar por não deixar o lixo na rua ou, indo mais além, adotar um consumo consciente que promova a redução de lixo. Com ações coletivas e individuais, com cada um cumprindo com seu papel, é possível atenuar os efeitos das mudanças do clima.
O Incaper tem algum projeto voltado para esse tema? Às mudanças climáticas?
H. R. – Partindo da premissa que as alterações do clima também alteram a vida da população, o modo de produção, a agricultura e o meio ambiente como um todo, algumas respostas vêm sendo alcançadas pelos pesquisadores e extensionistas do Incaper. Há o melhoramento genético de plantas, por exemplo, para que melhor se adaptem ao clima; a recomendação técnica de boas práticas agrícolas para garantir a segurança alimentar e nutricional da população, assim como o trabalho realizado pelo serviço de meteorologia do Incaper, que acaba monitorando a evolução do tempo e clima, tanto mensal quanto anual, no Espírito Santo, podendo apontar as flutuações climáticas em nosso Estado. Sobre essas mudanças, por sinal, o Incaper está envolvido com o Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas, inserindo-se nos debates atuais sobre o clima em nível local.