Quando eu era criança, tinha uma brincadeira sem graça de que todos nós gostávamos lá na rua. Chamava-se Mestre Mandou. Se você, caro leitor, também brincou de Mestre Mandou sabe quantas vezes teve de enfrentar situações que beiravam o absurdo e o sádico exercício do nonsense. Pois é. Hoje, tantos anos depois, vejo o governo do Espírito Santo reproduzindo a estratégia de nossa brincadeira:
-Radio-patrulha não pode circular. Mestre Mandou esperar pelo ladrão…parada. (sic)
-Na Pró Matre faltam pediatras. Mestre Mandou as crianças nascerem…saudáveis.
-Nos presídios, não têm mais papel higiênico, pasta e chinelo para os presos. Mestre Mandou as famílias se virarem.
-Nas repartições públicas, falta sinal da Internet. Mestre Mandou voltar aos pombos-correio.
-Na Escola Viva, a ordem é ficar 8 horas estudando. Mestre Mandou todo mundo ignorar suas atividades no contraturno e obedecer ao novo horário….
E por aí vai. Na tentativa de reorientar os gastos públicos, o governo colocou o pé no freio. E cortou indistintamente em todos os setores, inclusive saúde e segurança. “A história nos ensina que homens e nações se comportam com sabedoria depois de esgotadas todas as outras alternativas” (Abba Eban, diplomata israelense, 1915 – 2002). Será que teremos de percorrer todo o périplo de erros cometidos no passado?
Em entrevista aos dois maiores jornais do Espírito Santo, o governador Paulo Hartung justificou. Disse que ficou como boa parte dos brasileiros: sem poupança vendendo o almoço para comprar o jantar. Expôs o varejo mas não sinalizou os rumos do atacado. Hartung disse, referindo-se ao governo anterior e resumindo os próximos investimentos: “O governo não pode ficar vendendo terreno na lua. Queremos terminar o (hospital) São Lucas (…) queremos terminar as escolas que estão em obras, abrir mais 200 leitos na rede de saúde, vamos ampliar o Samu 192. São coisas concretas que a gente anunciou e vai fazer”.
Para um leitor desavisado, parece que o governo está a reboque das crises. Terminar o São Lucas e as escolas que estão caindo, abrir leitos em hospitais é urgência. É premência. Nunca uma opção estratégica. É o varejo do varejo do varejo da rotineira reivindicação das cidades. Para quem está acostumado ao exercício da análise de conjuntura, o novo governo desse Paulo Hartung não se parece ao daquele que passou. Onde o arrojo, a ousadia e a capacidade de mobilizar as forças vivas da sociedade? Onde os programas de sustentabilidade? Quais os nortes para investidores e empresários aflitos em suas crises?
Uma greve aqui, um protesto ali, engarrafamento por todo lado, violência dominando corações e mentes e um governo tímido e cansado correndo atrás do prejuízo. Foram assim os primeiros cem dias. Não, caro leitor. Nada me remeteu ao cachorro que caiu do caminhão de mudança. Pareceu o próprio caminhão de mudança na porta do novo endereço: desarrumado, cheio de velharia, sem saber por onde começar.
É certo que PH sempre gostou que as ações de seu governo estivessem contextualizadas numa história de contornos épicos. Neste sentido, os 100 primeiros dias foram competentes na desconstrução da administração Casagrande. Esta estratégia é conhecida. Ao que parece, a fantasia de salvador da pátria continua pendurada no armário, à espera do baile. Deputados federais consultados para avaliar os cem dias preferiram o off. Representantes de instituições—com exceção dos conhecidos adversários- também foram prudentes alegando que é cedo, que o País vive uma crise e que é tempo de espera.
E com efeito, este é o tempo de Paulo Hartung. Na semana passada, enquanto o País discutia seus destinos e o seu partido (PMDB) se acercava via Temer da crise de credibilidade institucional, Paulo Hartung fugia das articulações políticas e preferia abraçar criancinhas e tomar cafezinho em bar no distante município de Atílio Vivacqua. Desde o final da campanha eleitoral ele vem alimentando a imagem de líder popular. Millor Fernandes, estudioso do comportamento de homens públicos, costuma dizer: o poder é um camaleão ao contrário; todos tomam sua cor. Será o caso?
A verdade é que passados 100 dias, Paulo Hartung não conseguiu quase nada do que queria:
-sua equipe não mostrou inovação e criatividade. A insistência do governador em qualificar seu secretariado é claro sinal de que ele conhece as deficiências do time que montou.
-a economia não apresentou o quadro com que contou na campanha e há raros sinais de que conseguirá no curto prazo chacoalhar o Estado.
-o Espírito Santo não estava tão mal como ele supunha ou fez acreditar.
-o episódio da Escola Viva mostra que sua imagem já não aguenta sozinha carregar o peso do autoritarismo de outrora. Os tempos mudaram; as práticas também precisam de vida nova.
Pensando nisso…dá para entender a estória do saco de sal que ele previa ter de comer nos primeiros meses. E como uma coisa leva a outra, permitam-me lembrar de Sodoma e Gomorra. E da mulher de Ló que, por olhar pra trás… virou estátua. Coincidentemente ou não, a estátua era de sal.
Autora: Bete Rodrigues
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