A história e a riqueza do mundo rural podem ser ditas e vividas como sendo um mundo esculpido e talhado por mãos de homens e mulheres que moldam o destino de sua gente e de sua terra com a sua cultura, com o seu saber, com a sua experiência, com o seu trabalho, pela convivência de base familiar e comunitária, por meio do seu espírito de solidariedade, de sua crença e de sua fé. Isto nos indica que a sua essência e plenitude existe, não no fato de ser gerador de trabalho e riqueza, mas sim, centralizado no ser humano e nas suas relações de convivência, que se associam e se transformam, gerando e distribuindo trabalho, emprego e riqueza.
Dentro destes conceitos e princípios o ano de 2014 foi declarado pela Agência das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO) como o “Ano Internacional da Agricultura Familiar” – AIAF. Esta distinção nos motiva a criar as condições para que seja visível às sociedades rural e urbana do Estado do Espírito Santo os múltiplos papéis que a agricultura familiar e camponesa desempenha, dentre os quais destacamos: produção de 80% dos alimentos que chegam as nossas mesas pelo menos três vezes ao dia e, sobretudo, como guardiã incondicional dos ecossistemas e da biodiversidade. Toda esta riqueza e diversidade cultural e social produz e reproduz alimentos, respeita e valoriza o gênero, a geração e as etnias, gera riqueza e trabalho no esforço de que sua distribuição seja de forma equitativa e justa na sociedade.
A agricultura familiar e camponesa apresenta-se como uma realidade viva cujos valores estão centralizados no ser humano e na família rural, com a gestão da unidade de produção sendo exercida pelos membros da família de forma compartilhada, adotando um jeito diferente de produzir, comercializar, vender e trocar os seus produtos. Dentro destes princípios esta agricultura busca estabelecer relações de trabalho e de comercialização sem explorar ninguém, sem querer levar vantagem e com respeito ao meio ambiente. A sua ação estabelece relações de trabalho de natureza cooperativa, fortalecendo as relações do grupo comunitário local. Esta agricultura é norteada por valores como o do compartilhamento do saber, da autonomia do trabalho de base associativa, tendo o ser humano como seu elemento central.
Assim, a agricultura familiar e camponesa tem a oportunidade de ser a protagonista de sua história, busca o estabelecimento de uma matriz tecnológica social, produtiva e econômica, fortalecendo-se nos princípios da cooperação e na possibilidade de uma sociedade mais justa e igualitária. Portanto, celebrar o ano de 2014 como um marco referencial à Agricultura Familiar é fomentar que a cidade precisa de terra para crescer e, a roça, precisa da terra para viver e produzir vida.
Lá na roça a agricultura é uma forma de fortalecimento de laços de vizinhança e de vida comunitária, que com criatividade e com sua organização social e produtiva vencem as dificuldades impostas pela modernidade que consome a cidade. Assim, chamamos de agricultores e agricultoras as pessoas que praticam a arte de plantar. Chamamos de famílias agricultoras aquelas que reunindo homens e mulheres, em suas diversas gerações promovem um sistema de produção em unidades familiares rurais ou em pequenos espaços urbanos. E sabem por que ainda existe agricultura familiar? Por que a agricultura familiar não desapareceu? A resposta está na mesa do povo. Tanto a população da cidade quanto a do campo quer diversidade de alimentos, em quantidade e qualidade. A agricultura familiar sobrevive há tanto tempo porque está baseada numa relação de harmonia entre as famílias produtoras, com a natureza e numa relação direta com os consumidores. Para os agricultores e agricultoras familiares e camponeses, a terra não é vista como simples mercadoria, mas sim como recurso de trabalho, de sustento e chão onde criam seus filhos, cultivam suas amizades e definem suas relações sociais e comerciais.
A agricultura familiar e camponesa, seja no meio rural ou em espaços urbanos, necessita de muita sensibilidade e compromisso por parte das pessoas que a desenvolvem e por parte dos gestores públicos, que têm a responsabilidade de fomentar as políticas públicas locais. Desta forma, celebrar o ano de 2014 como sendo o Ano Internacional da Agricultura Familiar nos convida a construir um projeto em que estão inclusos as políticas públicas e o controle social, de forma que possa libertar o agricultor familiar e camponês para os direitos e necessidade enquanto cidadão, de forma transparente e comprometida com a realidade da unidade de produção familiar, com suas relações sociais, de produção e representatividade, para que possamos ter como resultado a sustentabilidade no mundo rural.