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Setembro Amarelo e a importância de se falar sobre a saúde mental

Por 16 de setembro de 2022Assuntos Gerais

A psicóloga Nívea Dalmaschio Daltoé trabalha no Incaper desde 2020, após ser requisitada. Ao lado da assistente social Rafaela Silva Lima Fuentes, elas realizam o atendimento psicossocial para todos/as os/as servidores/as do Instituto. E é exatamente a oportunidade de poder ouvir o outro e ajuda-lo a sanar seus sofrimentos que faz a Nívea seguir com sua profissão. “Acho que nunca pensei em outra carreira”, conta.

“Eu sempre me interessei por essa área, desde antes do Ensino Médio. Então na hora do vestibular nem pensei em fazer outra coisa. Sempre gostei da área, gostei de escutar, de estudar sobre o comportamento e entender o que leva uma pessoa a fazer algo”, explica Daltoé.

E os desafios para atuar na profissão, principalmente por estar diretamente conectada aos cuidados com a saúde mental, é o que também reforçam a importância de seguir atuando como psicóloga. “É uma área tão marginalizada, muito pouco valorizada. Então o pouco que eu posso contribuir, escutando alguém, contribuindo de certa forma para reduzir o sofrimento de alguém, acaba motivando a continuar, acaba me mostrando que é isso que eu gosto de fazer, apesar das dificuldades e das resistências à profissão”, explica ela.

Segundo Nívea Daltoé, a saúde mental, de uma forma geral, segue sendo desvalorizada, mesmo após todo o processo recente provocado pela pandemia da Covid-19, em que os cuidados com a saúde mental foram ampliados e a procura pelos serviços também. Segundo ela, muito desse receio e da insegurança que envolve a área ainda estão relacionados com os preconceitos que muitas pessoas têm sobre o assunto. E um preconceito que é tanto individual quanto institucional.

“Nem sempre vemos o profissional da saúde mental sendo valorizado. São muitas as instituições, por exemplo, que nem tem trabalhadores da área atuando, e quando tem muitas vezes é um quantitativo muito pequeno, às vezes com apenas uma pessoa para dar conta de todo o público. Infelizmente a saúde mental não é prioridade, e isso é no mundo todo”, enfatiza Daltoé.

Por isso que, para ela, ter a oportunidade de haver o atendimento no ambiente de trabalho é tão importante. “A instituição que disponibiliza um setor ou mesmo um espaço para o servidor se abrir, falar o que o aflige, com uma equipe capacitada para isso, é um ambiente que valoriza e reconhece o servidor. A instituição deve cuidar da saúde do servidor, tanto a física quanto a mental. E a dor psíquica, por ser invisível, é mais difícil de ser identificada e precisa de bastante atenção”, explica ela.

É um passo a mais para superar o preconceito e ampliar o reconhecimento da importância de se cuidar da saúde mental. Até porque quando não se sabe o que é, o medo que impede a procura pela ajuda é o medo ao desconhecido. “O mais importante é compreender que o espaço do atendimento do profissional é um espaço sigiloso, e que ninguém saberá o que é conversado ali. É um espaço para a pessoa se sentir protegida, para que possa falar o que quiser e ser ouvida”, explica Daltoé.

A ASSIN, reconhecendo a importância de se falar sobre a saúde mental e fortalecendo a campanha do Setembro Amarelo, convidou a psicóloga Nívea Daltoé para uma conversa, buscando desmistificar os preconceitos que muitos ainda carregam sobre o assunto. Confira logo abaixo!

Mesmo ainda sendo um assunto tabu para a sociedade, de que forma podemos contribuir para quebrar os preconceitos que ainda estão ao redor da saúde mental?

Para combater esse preconceito e poder falar mais sobre a saúde mental a gente precisa, antes, entender que esse assunto é marginalizado, tanto culturalmente e socialmente quanto historicamente. O suicídio é somente um dos tentáculos de todo esse tabu que existe sobre a saúde mental.

A gente vive preconceitos no dia a dia e também somos preconceituosos, de uma forma geral. Não conseguimos, por exemplo, entender o que o outro está passando e muito porque não sabemos nem queremos saber a história de vida dessa pessoa, não buscamos compreender o que faz com que ela aja de uma forma diferente.

Todo mundo já julgou alguém que foge do padrão. Quem nunca achou um colega de escola esquisito? Ou desconfia, no trabalho, de uma pessoa que não se enturma e logo já acha ela estranha. Ou se assusta quando vê alguém falando sozinho na rua. Tudo isso é preconceito e pré-conceito, e a gente tende a julgar e a discriminar porque não conhece, de fato, quem é essa pessoa e o que acontece com ela, não sabe da história dela.

A gente tende a julgar o outro que está passando por sofrimento e logo o chama de fraco, diz que faz corpo mole, fala que é preguiçoso… E esse preconceito, essa chacota de achar que sofrimento é frescura, é muito ruim.  Porque isso impede que muitas vezes as pessoas procurem um atendimento adequado.

E também tem todo esse estereótipo às doenças psiquiátricas, mentais, porque elas são “invisíveis”. É difícil não ver que a pessoa com uma perna quebrada está sofrendo. Mas quando o sofrimento é psicológico você não vê e ainda não consegue entender e, muitas vezes, nem acreditar no que o outro está sentindo. Em resumo: quem não está sofrendo não deveria julgar a dor do outro.

Sem contar que ainda tem a discriminação da própria pessoa que está em sofrimento, que pode ter dificuldade em aceitar que está passando por um momento difícil. E isso também contribui para que esse tratamento não seja feito ou só seja feito muito posteriormente, quando a situação estiver mais grave. Os transtornos mentais são, na maioria das vezes, tratáveis; e enquanto alguns tratamentos são temporários, outras pessoas vão precisar ser acompanhadas por um profissional por mais tempo. Por isso que a pior coisa que alguém pode fazer é dificultar que o outro, o que está sofrendo, procure por ajuda.

E quando falo de preconceito, também falo da forma como a sociedade enxerga os próprios profissionais da área da saúde mental, porque as pessoas também rotulam psicólogos e psiquiatras. Muitos falam que fazer terapia é coisa de doido, e ainda falam que os profissionais também são todos doidos. E nessa construção preconceituosa que atinge a todos que estão envolvidos com a saúde mental, tanto quem precisa de ajuda quanto quem trabalha na área, faz com que muita gente deixe de buscar ajuda, e também interfere até na decisão de fazer uso de um medicamento que seria tão importante pro tratamento, sempre com medo desse julgamento.

É crucial entender que todos nós estamos suscetíveis a passar por uma situação ou por algo difícil que pode nos levar ao sofrimento, à angústia, a uma tristeza profunda.

Por isso que eu acredito que o melhor para combater todo esse preconceito sobre a saúde mental é a informação. Falar sobre essas questões, e de forma adequada, pode contribuir em reduzir os estigmas e melhorar a saúde mental de muita gente. Além de ser fundamental ter empatia e respeito pelo o que outro está sentindo, pelo o que ele está passando. Evite piadinhas, evite o descaso, evite a cobrança. Só ele sabe a dor que está sentindo.

É possível a gente conseguir identificar situações ou sinais que apontem quando precisamos de ajuda? Ou perceber que alguém próximo de nós precisa de ajuda?

Com certeza é possível identificar, tanto na gente quando em alguém próximo. Pode não ser imediato, mas é muito possível sim. Normalmente esses sinais acontecem após a pessoa passar por situações ruins de muita intensidade e muito estresse. Geralmente após passar por alguma crise, que pode ser perder alguém querido, perder o emprego, ser vítima de alguma violência… A própria pandemia da Covid-19 foi desencadeadora de muitas crises. Todos esses exemplos são gatilhos.

Mas para conseguir identificar esses sinais é importante conhecer a pessoa e ter uma relação de convívio mais próximo com ela. Até porque cada pessoa reage e lida com as circunstâncias do seu jeito. Não há um padrão. Além disso, cada diagnóstico vai se apresentar de uma forma diferente. A depressão terá seus sintomas, a ansiedade terá outros, por exemplo.

De forma geral, para alguém que é leigo e convive com quem está em sofrimento, os primeiros sinais são as mudanças de comportamento. A pessoa pode ficar mais agressiva, por exemplo, ou ficar mais desatenta, e isso pode ser com o marido ou a esposa, com os filhos, com os pais. A pessoa também pode começar a ter pensamentos que antes ela não tinha, assim como ter mudanças nas atividades que costumava fazer naturalmente. Ela também pode ter mudanças repentinas de humor, de estar exageradamente feliz em um momento e, em outro, estar muito triste e desanimada. Também pode vir a ter mudança de apetite, tanto passar a comer demais, quanto passar a não ter fome e ficar sem comer por longos períodos. E ainda tem as mudanças nos padrões de sono, e isso vale para quem só quer dormir, o dia inteiro, ou para quem começa a ter muita insônia.

Pro mundo do trabalho, esses sinais podem estar no atraso constante, considerando que antes essa pessoa era muito pontual; ou dela começar a não render mais o quanto rendia. Também pode estar na opção de se isolar, ou ainda quando passa a reclamar de muito cansaço, com uma sensação de esgotamento. Em ambientes profissionais, geralmente quem consegue perceber essas mudanças é o gestor, por ele estar sempre acompanhando de perto seus profissionais. Uma opção é ter a sensibilidade em chamar essa pessoa para conversar e tentar buscar uma ajuda profissional. Mas caso esse gestor não tenha essa habilidade social, ele também pode pedir ajuda a alguém da equipe que seja mais solícita e sensível.

Outra opção, caso o ambiente de trabalho tenha uma equipe profissional que trabalhe com atendimento psicossocial, é conversar com esses trabalhadores e pedir ajuda diretamente para essa equipe. No Incaper, estamos eu e a assistente social Rafaela Silva Lima Fuentes. E mesmo estando locadas em Vitória, junto à Gerência de Pessoas, nosso atendimento também pode ser feito de forma remota, virtualmente, o que nos permite conversar com profissionais de todos os municípios.

Além das orientações que acabou de indicar, como podemos ajudar uma pessoa que esteja passando por esse tipo de situação?

Antes de tudo, é fundamental reforçar que os profissionais da saúde mental prezam por sigilo e privacidade. É importante frisar isso, porque muita gente ainda tem receio de buscar por essa ajuda por achar que estará expondo a sua vida ou se mostrando fragilizado. Mas os profissionais que estão nessa área estão ali para ajudar, e não para julgar.

Dito isso, também é importante dizer o quanto que é fundamental para quem passa por todo esse sofrimento ter uma rede de apoio, uma rede de proteção. E é aí que a família e os amigos fazem muita diferença. Porque ao ter esse apoio, a pessoa descobre com quem ela poderá contar para conseguir passar por esse período. Até mesmo se ela não quiser compartilhar seus sofrimentos, apenas saber que tem essa rede de apoio vai ajudá-la a melhorar.

E quem está dando apoio precisa saber valorizar e ter a sensibilidade de entender o que o outro está sentindo. Estar nessa rede de proteção é estar ao lado da pessoa que precisa de ajuda, sem julgar e sem fazer piada de mal gosto. Apenas escute, caso a pessoa queira falar: se mostre atenta ao que ela está falando. É um processo de saber escutar, buscar entender, e sem julgar.

Não busque apresentar respostas nem soluções ao sofrimento da pessoa. Tentar descobrir o que ela sente, ou achar os motivos, causas, saídas, falar que é falta de Deus ou qualquer outra coisa, não ajuda. Só se coloque a disposição. Tente ajudá-la a buscar ajuda, a encontrar um profissional, até mesmo para que ela saiba que você está ali ao que der e vier. Convencer alguém que não quer ajuda profissional pode ser muito difícil, mas se colocar à disposição já é o primeiro passo.

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