Trazemos para todos/as os/as associados/as o artigo “Dia da Terra: regeneração ecológica ou extinção”, escrito pelo demógrafo e pesquisador em meio ambiente, José Eustáquio Diniz Alves, em texto originalmente publicado no site EcoDebate, no dia 26 de abril de 2021. Confira!
É necessário promover uma regeneração ecológica para evitar a 6ª extinção em massa das espécies, pois o aquecimento global e a perda de biodiversidade podem levar à extinção civilizacional, posto que o ecocídio é também um suicídio.
“Os humanos devem perceber que são ‘intrusos’ e devem se comportar
de forma a não perturbar o meio ambiente”
(David Attenborough)
A Cúpula do Clima organizada no Dia da Terra, em 22 de abril de 2021, pelo presidente Joe Biden, contou com 40 líderes políticos das nações mais poluidoras do Planeta e foi muito importante, pois marcou não somente o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, mas indicou também a disposição política de colocar a questão climática no centro das preocupações nacionais e internacionais da nova administração americana. Na abertura da Cúpula virtual o presidente Biden prometeu reduzir em 50% as emissões de carbono dos Estados Unidos (em relação a 2005) até o final desta década. É quase o dobro do que Barack Obama havia prometido quando assinou os Acordos de Paris em 2015.
A presença de líderes importantes como Xi Jinping da China, Vladimir Putin da Rússia e Narendra Modi da Índia mostra que a nova orientação da Casa Branca deixou para trás o isolacionismo e o negacionismo e está buscando acordos multilaterais para enfrentar a gravidade da crise climática. Só a efetiva união dos principais países poluidores pode trazer alguma esperança de redução das emissões de gases de efeito estufa.
Segundo o comunicado da Casa Branca, um dos principais objetivos da Cúpula do Dia da Terra é articular os esforços para limitar o aquecimento global a 1,5º Celsius e facilitar os acordos para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021, a COP-26, que está programada para ser realizada na cidade de Glasgow, de 1 a 12 de novembro de 2021, sob a presidência do Reino Unido. Como mostra o gráfico abaixo, o ritmo de redução das emissões é desafiador.
Evidentemente, o mundo não está na rota do controle do aquecimento global. O discurso do presidente Jair Bolsonaro foi do tipo “para inglês ver” e mesmo não sendo formalmente totalmente ruim, contrariou posicionamentos anteriores do governo e, diplomaticamente, teve boa receptividade entre os organizadores da Cúpula. Mas o Brasil que tem a sexta maior população do mundo só teve a palavra no final do grupo do G-20. Além do mais o presidente Joe Biden teve que sair do encontro rapidamente e não viu o discurso do presidente brasileiro. Não se sabe se o motivo desta saída foi proposital. Mas a liderança internacional questionou até que ponto o discurso do presidente brasileiro refletia a realidade que está acontecendo no Brasil. Houve uma reação tipo São Tomé: “ver os resultados para crer”.
O presidente Bolsonaro insistiu em dizer que o Brasil emite “apenas” 3% das emissões globais, com se isto fosse uma grande vantagem. Acontece que o Brasil tem 2,7% da população mundial e um PIB que representa 2,4% do PIB mundial (em termos de paridade de compra – ppp) e de 1,7% em termos de dólares correntes. Portanto, o Brasil emite mais do que proporcionalmente ao tamanho da população ou da economia. E o governo ainda cortou verbas para fiscalização do desmatamento e contenção das queimadas.
O presidente brasileiro prometeu: 1) Zerar o desmatamento ilegal até 2030; 2) Reduzir as emissões de gases de efeito estufa; 3) buscar a neutralidade de emissões de carbono até 2050; 4) Fortalecer os órgãos ambientais. Todas as promessas são para o futuro e na prática o governo tem enfraquecido os órgãos de defesa do meio ambiente, cancelou a realização do censo demográfico, defendeu o direito ao desenvolvimento e não disse nada sobre a recuperação das áreas degradadas.
Acontece que o chamado “desenvolvimento sustentável” virou um oximoro e o tripé da sustentabilidade virou um trilema. A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e, a cada ano, o dia da sobrecarga chega mais cedo. Isto significa que o contínuo crescimento da produção de bens e serviços acontece em detrimento da saúde dos ecossistemas e às custas da perda da biodiversidade. Enquanto a humanidade progride, o meio ambiente regride. Mais desenvolvimento implica menos natureza.
Portanto, o desenvolvimento – que significa o contínuo processo de acumulação de riqueza por parte dos seres humanos – não é um processo ambientalmente sustentável. Pretender enriquecer a humanidade mediante o empobrecimento da natureza é como cortar o galho de uma árvore sentado na ponta. Para haver sustentabilidade é preciso um pensamento ecológico holístico. Ou seja, é necessário reconhecer que o ser humano é apenas uma parte da comunidade biótica e que o egoísmo do homo economicus é incompatível com o requisito básico de uma relação altruísta e pacífica entre todos os seres vivos da Terra. Ao invés de transformar toda a riqueza do meio ambiente em “valor de troca”, o certo seria reconhecer que a natureza tem valores intrínsecos e princípios que são inegociáveis, como nos ensina a Ecologia Profunda.
Artigo de Daniel Christian Wahl (Beyond Sustainability — We are Living in the Century of Regeneration, Resilience, 18/04/2018) mostra que é preciso valorizar o ecossistema e promover uma mudança de paradigma, deixando para trás as atitudes ignorantes e egoístas de destruição do próprio habitat para garantir que os sistemas naturais da Terra possam alcançar sua capacidade ideal de sustentar a vida. Ao invés de desenvolvimento sustentável é preciso avançar no desenvolvimento regenerativo.
Para o autor, o termo sustentável foi cooptado e algumas pessoas consideram sua empresa sustentável porque manteve o crescimento e os lucros por vários anos seguidos. O termo sustentabilidade nos pede para explicar o que estamos tentando sustentar. O termo desenvolvimento regenerativo, por outro lado, traz consigo um objetivo claro de regenerar a saúde e a vitalidade dos ecossistemas. Em um nível básico, a regeneração significa não usar recursos que não podem ser regenerados. Nem usar os recursos mais rapidamente do que eles podem ser regenerados. Desenvolvimento neste contexto é “co-evolução da mutualidade”. A segunda razão é que é preciso ir além de ser apenas sustentável para realmente regenerar o dano que a humanidade provocou no planeta desde o alvorecer da agricultura, das cidades, dos Estados e dos Impérios.
O diagrama abaixo mostra a passagem de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo. A escrita verde e vermelha acima e abaixo do eixo x se refere ao impacto positivo (verde) e impacto negativo (vermelho). No modelo em que tudo continua na mesma (“business as usual”) o primeiro avanço ocorre quando as práticas se movem para o estágio “Green” (economia verde), que significa fazer um pouco mais do que o usual, ou seja, poluir um pouco menos, usando menos energia de fontes não renováveis, etc. Este é um passo frequentemente denominado “maquiagem verde” (“greenwashing”), mesmo que seja uma necessidade nos diversos passos na jornada para ir além da sustentabilidade.
Na passagem do verde (“Green”) para o sustentável (“sustainable”) se chega ao ponto do impacto neutro, em que as atividades sustentáveis não causam danos adicionais. No entanto, com os enormes prejuízos ambientais causados desde o início da revolução industrial é preciso fazer mais do que simplesmente sustentar uma população humana de mais de 7 bilhões de pessoas e que pode chegar a 11 bilhões até 2100, com um crescimento econômico ainda maior.
Na passagem do estágio sustentável para o restaurativo (“restorative”) ainda é possível utilizar a mentalidade antropocêntrica instrumental que vê o ser humano como a medida de todas as coisas. Essa mentalidade de engenharia para a restauração pode criar projetos que restaurem florestas ou ecossistemas, mas de maneira não sistêmicas e integrativas e, portanto, esses esforços e seus efeitos podem ter vida curta ou resultar em efeitos colaterais inesperados e negativos.
Na passagem do estágio restaurativo (“restorative”) para o reconciliatório (“reconciliatory”) se busca projetos de restauração em grande escala para a adaptação cuidadosa à singularidade biocultural do lugar, podendo gerar sucessos de curto prazo, mas falhar em criar significado suficiente para motivar a transformação de longo prazo.
Na passagem do penúltimo estágio, o reconciliatório (“reconciliatory”), para o último o regenerativo (“regenerative”) o desenvolvimento revela o total potencial ecocêntrico. A reconciliação entre natureza e cultura permitiria reconciliar a jornada evolutiva da vida e iniciando uma nova trilha de atuação de forma regenerativa. Regeneração de ecossistemas em grande escala para reverter o aquecimento global, estabilizar o clima, recuperar a biodiversidade e permitir a transição para uma economia baseada em biomateriais de padrões ecológicos de produção e consumo descentralizados biorregionalmente e orientados para a regeneração social e econômica, a resiliência e a colaboração global na aprendizagem de como viver bem e conjuntamente na mesma nave viva que é a Terra (WAHL, 18/04/2018).
A Terra deveria ter o potencial de alcançar um “Equilíbrio Evolucionário”, significando que os solos, os oceanos, as plantas, os animais, a atmosfera, o ciclo da água e o clima da Terra possam interagir de uma forma natural, sem interferência humana. Se estivermos conscientes disso e não interferirmos no Sistema Terrestre os interesses da humanidade podem coincidir com os interesses de todos os seres vivos da Terra. A civilização precisa ser compatível com a reselvagerização do mundo.
Existe a necessidade de fazer a transição da economia fóssil para a “bioeconomia”, que é uma economia centrada no uso de recursos biológicos renováveis em vez de fontes baseadas em fósseis para produção industrial e de energia sustentável. Abrange várias atividades econômicas desde a agricultura até o setor químico e farmacêutico. Ou seja, é uma economia com base nos recursos renováveis, conhecimento biológico e processos biotecnológicos para estabelecer uma economia de base biológica e, acima de tudo, ecologicamente sustentável, focada na renovabilidade e na neutralidade do carbono.
Portanto, mesmo sendo fundamental cortar as emissões de carbono é preciso ir além.
É necessário promover uma regeneração ecológica para evitar a 6ª extinção em massa das espécies, pois o aquecimento global e a perda de biodiversidade podem levar à extinção civilizacional, posto que o ecocídio é também um suicídio.
Por conseguinte, a humanidade tem que escolher entre a regeneração ecológica ou a extinção.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em português e em inglês)
http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf
ALVES, JED. Sustentabilidade, Aquecimento Global e o Decrescimento Demoeconômico, Revista espinhaço, 2014, 3 (1): 4-16.
http://www.revistaespinhaco.com/index.php/journal/article/view/44/240
ALVES, JED. Re-ge(ne)ração: a geração azul, Ecodebate, 13/08/2010
http://www.ecodebate.com.br/2010/08/13/re-generacao-a-geracao-azul-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Para além da sustentabilidade: decrescimento demoeconômico com regeneração ecológica, Ecodebate, 06/06/2018
https://www.ecodebate.com.br/2018/06/06/para-alem-da-sustentabilidade-decrescimento-demoeconomico-com-regeneracao-ecologica-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Daniel Christian Wahl. Beyond Sustainability??—?We are Living in the Century of Regeneration, Resilience, 18/04/2018
http://www.resilience.org/stories/2018-04-18/beyond-sustainability%E2%80%8A-%E2%80%8Awe-are-living-in-the-century-of-regeneration/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/04/2021