“Tá vendo aquele colégio, moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
‘Pai, vou me matricular’
Mas me diz um cidadão
‘Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar’”
(Zé Ramalho – “Cidadão”)
Essa canção mostra o resultado de um modelo educativo que se preocupa na formação de um novo mecanismo de manutenção do mercado/consumo. É fácil constatar isso ao ler os versos de Zé Ramalho: “‘Pai, vou me matricular’; Mas me diz um cidadão; ‘Criança de pé no chão; Aqui não pode estudar’”. A educação no Brasil se tornou produto, assim como a água e os demais recursos naturais dos quais usufruímos.
O cientista político José Murilo de Carvalho, em seu livro “Cidadania no Brasil – O longo caminho”, afirma que o cidadão pleno é aquele que está munido de direitos sociais, políticos e civis, além de estar a par de seus deveres como membro da sociedade. A leitura dos versos de Zé Ramalho e a realidade de muitas cidades brasileiras mostram que ainda há muitos “cidadãos incompletos”, pois o acesso à educação é restrito.
A educação no Brasil tem seus moldes enraizados na cidade, espaço onde o acesso a bens de consumo é muito maior do que no campo. Muita gente migra do interior para o espaço urbano em busca de oportunidades, tanto no mercado de trabalho quanto no acesso a uma educação “de qualidade”. Com a crise no País, percebe-se a insustentabilidade do modelo centrado no consumo e de que precisamos investir na formação da cidadania plena idealizada por José Murilo de Carvalho. E o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, surge como uma alternativa no campo para mudar essa situação.
Os números obtidos pelo MST são impressionantes: mais de 2 mil escolas públicas construídas em acampamentos e assentamentos; 200 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos tiveram acesso gratuito à educação; 50 mil adultos já são alfabetizados; 2 mil estudantes ingressaram em cursos técnicos e superiores e são mais de 100 cursos de graduação em parceria com universidades públicas no País inteiro. Eles também possuem escolas itinerantes, que visam a inclusão das crianças, adolescentes, jovens e adultos em situação de itinerância, ou seja, que lutam pela desapropriação das terras improdutivas e implantação do assentamento, no sistema de educação.
Esse resultado não veio à toa. A partir de uma visão descentralizadora e democrática, o MST enxerga o campo como um espaço de desenvolvimento humano tão importante quanto os centros urbanos e, desta forma, gera oportunidades de aprendizado para as pessoas que vivem no interior.
De acordo com o MST, os Sem Terra tinham como prioridade a conquista da terra. Porém, viram que não era possível uma sustentabilidade da terra e de suas vidas sem um elemento básico, que é a educação, para que compreendessem desde assuntos da vida no campo, até as conjunturas política, econômica e social.
O grande desafio do MST é atingir esse reconhecimento perante à sociedade e, a partir dele, iniciar uma mudança na forma de se fazer educação, derrubando o modelo centrado no consumo, aquela da música de Zé Ramalho, e formar cidadãos plenos, focando na filosofia de José Murilo de Carvalho.